SOLIDÃO



Não tenho falado com os pássaros, hoje notei esta ausência no meu rotineiro amanhecer.

Meu dia tem começado mais tarde, os pássaros já se fartaram com algumas migalhas colhidas fora do meu quintal. Abrigaram-se à sombra de uma árvore distante. Também, ando afastada do meu hábito de olhar para o céu. Uma telinha ridícula capturou as paisagens, ficou muito fácil um encontro com Deus, basta um clic e ele está ali, disponível para expulsar demônios, dar carros e mansões, atender nossos desejos, desde os mais profanos. A felicidade deste paraíso tem custo, é lógico!

Assim como não se reza quando a vida está calma, não olhamos para o céu quando ele está limpo, livre das nuvens negras.
Será que aquele céu que admiramos e tememos é o mesmo que irá nos abrigar?
Repousaremos nos flocos brancos de nuvens como se fossem almofadas, ou nos ocultaremos por trás das nuvens negras temendo o que ainda há de vir?

Não quero cair em nenhuma boca faladeira onde a língua chicoteia o céu sem piedade, não quero saber também como é o céu da boca do tubarão. Ele continuaria tubarão e eu viraria peixe miúdo. Seria engolida.

Depois de alguns tombos, adquire o hábito de olhar para o chão. Não levo nos lábios meu costumeiro sorriso. O meu bom dia deixo-o em casa, não o distribuo mais. Minha casa anda fechada a sete chaves. O café está caro, já não se convida os amigos para um cafézinho. O facebook aboliu este gostoso costume.
Vocês querem ser meus amigos? Ok. Preparem seus cafés, coloquem-no ao lado do computador e sirvam-se.

Os psicólogos adoram esta modalidade. O divã substituiu a mesa do cafézinho.
Lá em cima um pássaro solitário dá voltas e voltas. Tem medo de cair na banda larga ou se ferir nas pontiagudas torres. Ele procura um alvo e esse alvo sou eu.
Enrolo-me nos meus defeitos para me proteger. Sinto o peso do meu agasalho, não ouso voar, o céu está distante.

Elevo o meu olhar. Sobre qual nuvem Deus está sentado? Talvez em nenhuma, pois poderá correr o risco de ser um obstáculo no espaço aéreo e ser responsabilizado por algum acidente. Ando tão solitária quanto aquele urubu.

Continuo a fazer minhas caminhadas, olhos fixos no chão. Do meu lado caminham outros solitários. Não nos conhecemos, e daí? Talvez sejam alguns dos meus amigos virtuais. Todos acordam tarde, comprimem a vida.

Devo ou não avisá-los de que um urubu nos observa lá de cima.
Não! Não os conheço. Que se danem! Agora me sinto um avestruz, escondi a cabeça sob a plumagem.
Tapei os meus ouvidos. Não quero nem saber o que Deus tem para me dizer.

Volto para casa e leio uma estranha mensagem, alguém respondeu uma pergunta a meu respeito.
Como? Eu nem conheço a pessoa. Mas ela é minha amiga virtual. Desligo o computador um pouco mais irritada.

Amanhã, ao acordar, vou abrir a janela e ver se meu bem-te-vi ainda me aguarda. Ele traz alegria, me aproxima do céu. Olha para meu rosto com aquele jeitinho meigo e aguarda as migalhas de pão que sobejaram da mesa do café. Não vou abrir o facebook , vou visitar uma amiga real.

O céu, hoje, está limpo, os pássaros limparam o caminho para que eu conversasse com Deus. Ele me ouviu, me concedeu a graça que tanto busquei. Não me cobrou nada. Quando Lhe falei em custos, Ele apenas sorriu em forma de brisa mansa.

Emília Goulart é membro do Grupo experimental da AAL e Membro da Cia dos blogueiros.




Comentários

Ele não faz isso pra qualquer um. Espero que o teu céu seja sempre de brigadeiro e que os pássaros frequentem a tua janela....e que continue a escrever belas crônica , contos e que a poesia que existe dentro de ti continue a fluir. Belo texto.
Adorei tia! Seus textos são sempre uma delícia! Desta vez, serve para uma boa reflexão. Beijos.
Anônimo disse…
Olá, Emília! passei por aqui para deixar um abraço e dizer que a sua crônica é realmente convidativa a um bom debate.
Rita

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