Os Sonhos Não Têm Acabamento
Sonhos Não Têm Acabamento
Ai...ai! A preguiça está buscando refúgio em mim. Não sei se
é o clima mais fresquinho pedindo agasalhos ou a constatação de que outro
inverno se aproxima. Em Julho torno a ficar mais idosa. De uns tempos para cá os
anos começaram a acelerar seus passos e têm me provocado para uma competição
desleal. Passou por mim aos sessenta, não respeitou a sinalização: “devagar”. Acelerou.
Encosta no setenta e já se aproxima da curva perigosa. Não possuo o mesmo vigor
para alcançar objetivos elevados, tais como o menosprezo ao tempo veloz. A
preguiça me abraça. Doutor chame o guincho, a linha de chegada é aos noventa.
Hoje dou mais atenção
para minha saúde. Ainda bem que guardei boas lembranças para desfiar na minha
cadeira de balanço. Pensamentos utópicos me pressionam, um deles seria parar o meu
relógio biológico. O outro mais utópico, resgatar princípios que se perderam.
Pesquisei a respeito, mas só encontrei promessas enganosas.
Diante da impossibilidade imediata de parar o tempo, busco a
fuga na rota do sono. Lá em um mergulho vertiginoso, adentro os sonhos onde
tudo é possível.
Salto muros, escalo montanhas e, com uma prancha improvisada
deslizo sobre as ondas sem medo de nada. Realizo proezas e sou a heroína que chega
a tempo para salvar crianças das garras dos lobos maus. Em outros sonhos sou a
criança que escapa das minhas mãos cansadas e corre para abraçar o mundo.
Sonhos não tem acabamento, sempre deixa o final em aberto.
Eu sempre me demoro um pouco mais na cama criando um final
para o sonho que não criei. Muitas vezes, os refaço. Reescrevo seus capítulos
dando mais sabedoria aos personagens para entenderem que o tempo que passou não
volta e que continuar é preciso.
Os sonhos sonhados são como os contos fantásticos. Estamos
fora deles e vivendo neles, onde o tempo volta ou dá seus saltos magníficos,
para um futuro sem lógica, sem utopias, pois nos sonhos tudo é possível.
Nos sonhos estamos
perdidos e nos procurando, deito ao lado da minha filha e minha filha é minha
mãe. É assim sem explicação que ele nos aproxima da realidade. Nossa busca é
fantasiosa. Queremos um mundo justo, mas, no que estamos contribuindo para que
isso aconteça?
Força-nos a razão a aceitar as coisas como estão e, para
tanto, a covardia e a preguiça, que renomeamos de tolerância, são os melhores
aliados.
Minhas mãos cansadas dão ajuda ao corpo alquebrado para
levantar-me da cama, no entanto ainda estou prisioneira dos sonhos que me deram
asas para voar. Não sei que “sonhos” sonharei se houver amanhã.
Começa mais um dia de
rotina que me apressa sem respeitar os limites do meu tempo que quer continuar
preguiçoso. Preparo o café. Ainda tenho tempo para procurar na memória um
cheiro, um gosto ou alguém que ficou no passado. Pergunto para meu marido se
ele também às vezes sente aquele cheiro da infância ou da juventude. Aquele
gosto dos pratos que nossas mães preparavam. Pronto! Encontrei motivos para jogar
conversa fora, faz parte da nossa rotina matinal.
Depois vem o jornal, com suas rotineiras notícias sobre
violência, a falta que faz a educação, a saúde doente e tudo mais que acelera o
mundo para o fim. Como nos sonhos, as soluções chegam devagar, ou não chegam,
num tempo que caminha apressado.
Emília Goulart
Crônica publicada em Tantas Palavras no dia 24-6-2014
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