MINHAS Bolhas

 

Minhas bolhas

 


 

Um dia vi um desenho e nele nosso cérebro estava representado em dois carretéis. Não me lembro de qual autor e isso agora pouco me interessa. O que importa é a simbologia representada e o que aquela figura me causou e ainda me causa. Um fio de lembranças começa a se enrolar em um dos carretéis a partir do momento do nascimento. Com o passar dos anos as lembranças vão passando para outro carretel e aquelas que primeiro foram gravadas vem à tona. Emergem como bolhas.  Eu estou guardando as minhas bolhas em uma folha de papel em branco, depois as guardo em um arquivo. Sei que chegará uma hora que as lembranças enroladas no carretel irão desaparecer. Minha vida já enrolou lembranças demais  e meu carretel, lotado, está descarregando lembranças em um arquivo morto.

Conforme o fio desenrola vai voltando ao início e eu começo ver meus pecados menores, aqueles cometidos ainda na infância. Vou começar por quando quebrei minha linda boneca de porcelana.  Deixei-a no parapeito da portinhola da despensa. A pressa em buscar outro brinquedo, não notando a sua fragilidade, deixei-a de qualquer jeito. Ela caiu e se desfez em caquinhos. Com medo de apanhar pela negligência (gozado como as crianças vivem com a consciência culpada. Também, pudera! Tudo que os adultos mais dizem é: não... não e não!) joguei a culpa na minha prima e amiguinha nas brincadeiras. Aguardei que ela levasse uma bronca, ou quem sabe até uma surra. Nada aconteceu. Fiquei com muita raiva, eu precisava culpar alguém. Por vários dias aguardei que ela recebesse um castigo ou que alguém me desse outra boneca. Nem uma coisa nem outra. Depois ganhei outras bonecas, mas nenhuma como a minha Vilma.

Minha mãe defendeu minha prima e me fez pedir desculpa.

– Não foi a Maura, você sabe que não foi... – enquanto ela continuava com a repreensão, eu só conseguia pensar uma coisa: – Droga, por que as mães tem que saber tudo?

 Este negócio de carretéis deve ser coisa de Deus para nos julgar com critérios e sem erros. Quando as lembranças no carretel começam embaraçar ele começa a desenrolar para que nem um pecadinho fique esquecido.

Quando fiz o catecismo, para a primeira comunhão, tinha oito anos. A igreja fazia uma linda festa para a celebração deste dia, porém antes todos se confessavam. Observei que as crianças ao contrário dos adultos, nada tinham para confessar e o padre logo as despedia mandando rezar uma Ave Maria. Os adultos demoravam em suas confissões e de acordo com os pecados as penitências eram maiores.

Toda semana os católicos mais fervorosos seguiam aquele ritual de confissões antes das comunhões. De joelhos, no confessionário, nossos pecados eram confessados ao padre, que por trás da cortina de uma janelinha nos dava a devida penitência. Às vezes uma Ave Maria ou duas, para os adultos, um terço inteiro. Havia aqueles que chegada a hora da comunhão ainda não tinham terminado a reza. Aquilo muito me irritava, pois, se eu dependesse das penitências, eu jamais entraria no céu.

Um dia inventei tantos pecados que o Padre Magalhães, saiu do confessionário, me levou lá na frente do altar mor e disse:

– Reze três terços e deixa de ser mentirosa.

Rezei como o padre mandou e tomo muito cuidado com as minhas mentiras, como minha mãe dizia, “mentira tem pernas curtas”. Elas caem, mas até que isso aconteça muitos acreditam!

 

Emília Goulart

 

 

 

 

 

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