Autores e personagens

  



A procura de um tema, para escrever um texto e assim preencher o espaço gentilmente cedido pela Folha da Região, aos escritores da UBE, me ocorreu uma reflexão; Como escrever sem ler? Este texto escrito em 2015, não consta nos meus arquivos como publicado. Ao encontrar este texto aqui abandonado e sem lembrança nenhuma de tê-lo publicado antes decidi, vou publicá-lo. Hoje ele me pareceu mais atual do que antes.

Como eu poderia escrever sobre um relacionamento tão intimo entre escritores e seus personagens, sem antes conhecer um pouco mais dos meus autores. Lancei-me a pesquisar os personagens criados por grandes mestres da literatura. Aqueles que permanecem na memória do leitor. Aqui vou escrever um pouco sobre os meus eleitos.

Ainda que eu viva outros setenta anos, sempre me surpreenderei com alguns hábitos meus, desta vez foi a percepção de que nada escrevo sem pesquisar um pouco sobre o tema. Estou sempre recorrendo a minha pequena biblioteca, ou a bibliotecas públicas. Encontrei no Google um grande parceiro, porém há em mim a uma necessidade de confirmar em livros. Quando ouço a frase “ O Sistema digital não vai acabar com o livro impresso.” Sinto uma felicidade indescritível.

 Citarei apenas alguns autores e personagens que chamaram a minha atenção para a composição deste texto. Por lembrar-me mais de personagens, que  o nome do próprio autor, chego a pensar o quanto Deus pode ter se arrependido de ter criado algumas personagens.  Bem, deixa para lá, o autor sempre sabe o que e porque dos seus personagens.

Uma personagem que marcou meu ponto de vista a respeito de autores foi o Bispo Myriel em “Os Miseráveis” de Victor Hugo, o lado humanístico daquele bispo, que transformou a grande casa  oferecida pela igreja para sua moradia, em abrigo das dezenas doentes alojados em um pequeno e miserável cubículo.

Agatha Christie se apaixonou por Hercule Poirot e o aprisionou em muitos dos seus contos e romances  por nada menos que cinquenta anos. Autora de setenta e oito romances policiais. Influenciada por Conan Doyle criou para Poirot, o amigo idiota Asting, que nos lembra a dupla: Sherlock Holmes e Dr. Watson.  A personagem às vezes gruda no seu criador. Arthur Conan Doyle foi vitima desta perseguição e chegou a dar autógrafos em nome do Dr.John Watson. Outras esperam pacientes que seus autores as ajudem, Macabéa não entraria para a história sem as mãos  de Clarice Lispector. Ao ler A Hora Da Estrela, pensei ‘ Parece que Clarice se envergonhava da sua personagem. Demorei  para entender o desejo da autora em denunciar a fragilidade da mulher oprimida, sem condição alguma,  a fragilidade da personagem forçou a autora. Sua Macabéa  jamais se tornaria estrela caso fosse narrada pela intelectual Clarice Lispector.

Os personagens amorais de Dostoiévski ressurgem no mundo atual.  Os amorais como Svidrigailov em Crime e Castigo e Smerdyak em Os Irmãos Karamázov  não estavam comprometidos com motivos consistentes, queriam apenas ferir as pessoas próximas para ver o que acontece.

Os amorais estão aqui, tão perto que podemos tocá-los. Não há motivação para os absurdos crimes cometidos.  Roubam sem necessidade, matam sem nenhum pudor o sonho das pessoas, tal e qual os personagens criados por Fiódor Dostoiévski.

Muitos leitores sugeriram que os propagandistas  imprudentes  e economistas implacáveis, são uma indicação de que o autor já antecipava os perigos que poderiam advir da ascensão  dos políticos, amorais do Século XXI.

O presente instável e incerto  nos remete as criações do autor como uma antecipação do futuro.

Fincando meus pés no chão e voltando ao autor e personagens preferidos, teço um paralelo com o atual momento político que vivemos. Entre corruptos e corruptores, delinquentes e assassinos, ambos possuem o mesmo desvio moral dos personagens de Fiodor Dostoievsk . Podem não levar o produto desejado, mas deixam para trás um rastro de sangue.

Franz Kafka parecia temer seus personagens, publicou apenas algumas obras em vida e deixou ordens ao amigo que queimasse  seus originais inéditos.  A visão fantasmagórica de Kafka em Metamorfose, sobre a máquina   opressiva de Estado que sufoca o individuo. Kafka tornou real no Século XXI. Suas personagens deixaram de ser fantasmagóricas.  Estamos como a  personagem  do conto metamorfose, alimentando  parasitas. Assim vamos virar insetos. Que tenhamos aprendido a lição.

Ou... , Já viramos insetos?

 

Emília Goulart

20-9-2015

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