BEM-TE-VI



Meu Bem-te-vi! Cá estou eu novamente com minhas migalhas de pão e minhas palavras ao vento. Eu sei que nem só de pão vive o homem, mas, pensei que por ser um bem-te-vi o pão te bastaria. Percebo que me enganei. Gostaria de ter acordado com teu piar, mas não, hoje amanheceste calado. Atrasaste um pouco. Não tanto quanto nossas morosas leis. Também, não és cego como a justiça. Há tempos te ouço repetir: “bem te vi....bem te vi”...serão os legisladores surdos?
Hoje você sequer recolheu alimentos para levar ao ninho.
               O quê aconteceu? Seu ninho deslizou cajueiro abaixo devido a chuva?
Há dias em que também fico assim melancólica e posso parecer: pessimista ou saudosista. Já me denominaram com estes qualificativos e outros mais.
Será pessimismo assumir que caminhamos para o futuro carregando as leviandades e barbáries do passado? Quando as saídas temporárias não mais  os satisfizerem, seremos lançados nas jaulas dos leões para saciar sua fome de liberdade?
É sinal de mau gosto não encontrar entretenimento nos meios de comunicações? Estou ultrapassada por pensar que a família deve estar em primeiro lugar e que Deus não pode ser vendido nas bancas de feiras livres, denominadas TVs? Que frutas saudáveis não são recheadas com silicone?
Será mesmo um retrocesso crianças trabalharem em vez de se drogarem ou perambularem a esmo sem encontrarem um sentido para suas vidas?
Sou saudosista ao lembrar as palavras do meu avô: “Um pai que não educa seus filhos permite que a vida os puna”. Este educar, que algumas vezes esteve carregado de exageros, estava errado? Estando errado como se explica o fato dele ter criado doze filhos educados e honrados?
Hoje, Bem-te-vi, a complacência tem lotado as prisões e entregue muitos bons jovens, com futuros promissores, aos traficantes.
Sabe... Bem-te-vi, eu gosto de ficar tomando o sol da manhã, fazendo perguntas sem obter respostas, comendo a poeira do gado que só passa nas minhas lembranças e ouvindo o teu piar. Você não me constrange nem me reprime. Entre suas tristes penas carrega a saudade da mata. A mesma que te protegia da crueldade dos homens.
 Vá! Come estas migalhas e voe para o cajueiro que te resta. Nele construa seu novo ninho porque outros temporais virão.
O tempo em nada te mudou. Tua roupa continua a mesma. Canta o repertório de sempre e ninguém diz que este verso que te vem das raízes está fora de moda.
                  Bem-te-vi ficaria aqui por horas te falando sobre tantas coisas; que uma humanidade sadia pode construir uma sociedade melhor, que uma justiça menos cega pode tornar o mundo mais justo, que menos dinheiro desviado proporcionaria mais saúde e educação, que com menos ganância e mais criatividade se produziriam melhores programas para as emissoras de televisão, mais educativos e menos vulgares, dignos trabalhos televisivos. Tantos quês me vêm à mente que não caberiam aqui neste espaço.
Nossa... Bem-te-vi! Você já vai? Cansou-se de me ouvir?
Ah... Tudo bem! Entendi! Você tem um lar para reconstruir. Então boa sorte. Não se esqueça de providenciar todos os meios de segurança. Fique ligado Bem-te-vi, qualquer descuido pode ser fatal. A Páscoa se aproxima e com ela nova temporada de caça será decretada. No carnaval tome cuidado nas estradas, a lei seca vai estar molhada e escorregadia.
Quem sabe um dia eu comece a piar; você a falar, os legisladores a ouvir, a justiça a enxergar, os trabalhadores a comemorarem as datas festivas em liberdade e que os jornais, sem notícias ruins, liberem mais espaço para a poesia.


Emília Goulart
Escritora da UBE e Membro do Grupo Experimental da AAL

Comentários

Cecilia Ferreira disse…
Para encontrar uma nova realidade é preciso sonhar! Bjks
Quem sabe, um dia, as pessoas façam como você: coloquem a alma para atuar!
Lindo texto!
Tô seguindo.
"Sinai de Mim" espera um sinal seu na Área Vip!
Beijocas,
TL. ^^

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