A grande mágica

Uuuuuuuuh, foi a última manifestação, antes do silêncio ouvido pela escuridão.

Um estalo seco derrubou de uma vez a energia. Não apenas a elétrica, também a humana. Ninguém viu o raio, o som do trovão ainda fugia roncando no espaço. Sob a lona do circo tudo desapareceu, a escuridão faz essa grande mágica. Não havia mais palhaços, animais, domadores nem trapezistas. Todos foram transportados para uma noite negra. O silêncio tomou conta da arena, palco, cadeiras, arquibancadas e camarins. Apenas das jaulas fugia os rumores de vida. Tudo estava suspenso, como se uma ordem tivesse gritado através daquele estalo: Silêncio.

Uma criança ou outra tão logo ameaçasse chorar era impedida pelos pais que usavam todos os meios possíveis para mantê-las caladas.

O pânico era geral, ninguém se atrevia ao menor movimento, os olhares estavam fixos no picadeiro, embora nada se pudesse ver. A mais leve pisada do tigre era assustador. A pouca claridade provocada por algum distante raio, conseguia aumentar o temor, indicando que a fera permanecia solta na arena.

Pisadas vigorosas se juntavam ao rugir nada tranquilizador e fazia crer que o bicho estava ficando impaciente. Se algum som ou movimento assustasse aquela fera, ninguém gostaria de saber o que aconteceria.

Uma senhora sussurrou ao ouvido do marido:

—Irresponsável este domador, já devia ter retirado este animal do picadeiro.

O marido trêmulo, pediu que ela se calasse.

Um homem alterado pela bebida, dava trabalho aos familiares  ameaçando entrar no picadeiro.

 A criança assustada pedia:

—Fica quieto pai.

O espetáculo estava interessante, como última atração da noite o domador colocaria a cabeça dentro da boca do tigre. Ninguém saberia responder em que momento da apresentação aconteceu o blecaute ocasionado pelo raio que fez explodir o transformador e tudo que era colorido ficou negro.

Aquele silêncio! Estaria o domador na boca do tigre?

O animal solto no picadeiro também já dava sinais de cansaço. Rugia e mastigava alguma coisa, fazendo gelar o coração de muitos. Ainda estaria o tigre naquela posição de guarda real da coroa britânica? Ou deitara-se saciado sobre os restos do domador?  A escuridão cria imagens ilusórias, e vultos fantásticos afastam o homem da realidade.

A escuridão já durava um tempo sem que alguma providência fosse tomada. Será que os diretores daquele circo teriam condições de controlar uma multidão em pânico caso o tigre resolvesse pular do picadeiro para o meio do povo? Nunca vamos saber o que se passa na cabeça de um animal como o tigre que podendo se rebelar aceita as condições impostas por um homem.

Naquela escuridão envolta por uma atmosfera carregada de pavor não dava para imaginar coisa alguma, a não ser que ninguém queria estar ali,  mas, ninguém se atrevia a dar o primeiro passo para em direção a saída.

A luz acendeu, para alívio de todos.

O domador volta lá dos fundos e pergunta a plateia:

—Vocês pagaram seus ingressos, ainda querem que eu e meu amigo  Ralf façamos a apresentação do nosso numero ou não?

 Todos já se encaminhavam para a porta e não viram o Ralf   estraçalhar o domador.

2014-04-28

Emília Goulart

 

 

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

De moleque para moleque

SOU CAIPIRA SIM, SENHOR