Eu quero ser melhor

Eu quero ser melhor

 

Andam me dizendo que estou falando muito em velhice. Às vezes é preciso falar alto para que a verdade salte ao olhar opaco dos idosos e mostre que estamos ultrapassando os limites de tolerância dos filhos, amigos e cuidadores. Estou aproveitando minha velhice para aparar arestas e arrancar algumas pragas que brotam sem controle. Ainda restam muitos preconceitos para serem eliminados da minha vida. Posso até eliminar algumas rugas, manchas, tingir os cabelos, fazer alguma plástica e mesmo assim ver que os anos passaram, as rusgas internas seguem as rugas externas tornando-as mais evidentes e esse reconhecimento é doloroso para todos. Posso viver outros oitenta, mas, pecar como aos sete, dezessete, vinte e sete, trinta e sete... Nunca mais. Os pecados que me encantavam não me encantam mais, ridículos se tornaram. O tempo os desencantou. A velhice acumula alguns sintomas cruéis e outros revoltantes.

 A dependência nos tornam duros insensíveis, a doce criatura que fomos começa a ficar indisciplinada O ego exaltado revela o que antes esteve oculto mascarando o meu eu.

A juventude prepara muitos sonhos, a maturidade nos convence de que somos capazes de realizar alguns e a velhice nos convence de que devemos esquecer todos. Não há mais tempo, é isso, ela é malvada! Se você permitir ela nos transforma em velhos rabugentos, mesquinhos, linguarudos e cheios de preconceitos. Assim sem perceber nos tornamos os donos do mundo. Somos dos ditadores, os piores. Errado é tudo aquilo que não podemos mais. Você que me lê pode não concordar. Aqui me revelo e deixo de ser a Emília que vocês pensam conhecerem.

Sou uma velha teimosa como tantas outras, só aceito sua opinião se for para concordar com a minha. Vaidosa, fico feliz quando elogiada pelo meu trabalho.  Assumo que, sendo tudo que sou, posso ser ainda mais, sou persistente. Faz tempo que não te vejo então é melhor dizer logo seu nome  não contem com a minha memória para lembrar quem é você. Diga logo e evite os constrangimentos. Não é grosseria apenas lápsos da idade. O médico me garantiu que não tenho Alzaimer, portanto não conte com meu esquecimento,  posso não me lembrar momentaneamente do seu rosto, mas jamais esquecerei uma atitude inconveniente , principalmente com os mais fracos.  

O tempo, a vida, assim como a natureza, são recursos naturais esgotáveis. É preciso cuidado, tratar com carinho e respeito as pessoas . Reconhecer a dependência e ser gratos, precisamos saber: a velhice realça o que sempre fomos  

Emília Goulart

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