Vida que segue...

 

A vida segue

A vida segue seu ritual independente dos nossos desejos, porque quase sempre se chocam com os desejos de outras vidas. Relutamos muito entre os nossos desejos e que os outros esperam de nós. 

A leitura do livro "A distância entre nós" da escritora Thrity Unrigar  levou-me a pensar, que a distância pode se revelar de várias formas e estar oculta. Vai para além do espaço físico entre as pessoas. A distância pode ser medida apesar de invisível, mas quanto mais próxima as pessoas são, mais invisível fica.

Para respeitar os desejos do próximo, fragmentamos os nossos. Nos relacionamentos mais próximos a distância pode estar tão oculta que não percebemos.

O tempo passa  sem que a distância seja notada e quando menos esperamos, damo-nos conta de que nossos desejos, que estavam tão ali ao nosso alcance se distanciaram e nossos passos cansados tendem, com frequência, a desistir. Não avistamos mais o ponto de partida e a chegada  muito distante de ser alcançada. Tudo que pretendíamos está estacionado lá, na linha do horizonte a esperarem por nós. Enxergar e romper a barreira do distanciamento imposta pelo vírus está para o ser humano, assim como a linha do horizonte. Distanciamento infinito.

Covid 19, este vírus não brinca, traçou uma rota de destruição e segue como a vida ou com a vida. Chama-nos atenção por ser mais invasivo, veio nos colocar no nosso devido lugar. Somos frágeis seres com mania de grandeza. Não damos conta sequer de escolher bons governantes. Ou talvez eles não existam, ou nunca existiram. Um louco mandou incendiar Roma, um Senador mais louco ainda mandou crucificar Jesus e libertar um ladrão. Estamos atrás de um dos menores seres do mundo e incapaz de combatê-lo. Ele decretou um boicote aos nossos desejos, impedindo nossos sonhos, sonhos pequenos para humildes mortais, como uma festa para reunir os amigos e comemorar datas significativas, como um casamento, aniversário, um trabalho do qual nos orgulhamos.

As escolas fecharam, há um atraso deplorável  na educação da maioria das nossas crianças e jovens. Aqui também a distância entre os que tem mais ou menos, pode ser sentida, mas será empurrada para além da linha do horizonte onde termina todos os sonhos.

O vírus não tem pressa, conhece a si mesmo, sabe que engana e volta com todo seu poder de destruição. Obriga-nos a uma vida de lentidão e reclusão com a qual não estamos acostumados.  As distâncias tem medidas, mas nunca entre nos. O universo é grande demais para conter nossos passos dentro de um quarto, temos sonhos que não cabem nos nossos bolsos, mas temos coragem para sonhar. Então como pode um ser tão minúsculo ditar regras? Eles sobrevivem da máxima de que a união faz a força! Enquanto no isolamento a distancia entre os seres humanos nos enfraquece.

Algumas pessoas não vão mais acordar,  para viver seus sonhos. Tornou-se demasiado triste ver o desperdício de tempo e recursos, como se a vida não tivesse valor. Desumano é a utilização do infortúnio para fazer política, não levando em conta os sonhos da humanidade. Estimular a população a se exporem ao vírus, com exibições de superpoderes, esquecidos de que milhões de brasileiros não contam sequer, com os mínimos recursos fundamentais da medicina, deveria ser crime. Meu Deus, qual é o tamanho do egoísmo e da distância entre nós?A vida segue hospedando políticos em hospitais, com todo recurso médico e conforto  e abrindo covas rasas, para o povo.

A vida segue prendendo quem rouba um pão, soltando o grande ladrão e distribuindo habeas corpus, para a corrupção.

A vida segue cortando da educação, da saúde, do salário do trabalhador, das pensões e aposentadorias  para saciar a ambição dos ministros, senadores, deputados, governadores, prefeitos, vereadores e candidatos. Quem sabe serão os últimos a sonharem, com o milagre do enriquecimento ilícito? A esses lobos, com pele de cordeiros, eu pergunto:  - Vocês pensam realmente em trazerem benefícios, para a sociedade trabalhadora e sofrida? 

A vida que segue, já não tem para onde ir. Todos os caminhos foram bloqueados pelo pior vírus, que a humanidade enfrenta a falta de caráter. A cloroquina não se mostrou eficaz, a vacina ainda é uma doce ilusão, o tratamento eficaz é inacessível, para a grande maioria da população e só está disponível,  para os que gozam de benefícios concedidos a si próprios. 

A distância entre nós e eles é tão grande, que esquecidos do que poderiam ter feito e não fizeram, vamos às urnas, mais uma vez, depositar nossos votos de confiança.

Emília Goulart